CONHECER E crer na tradição da igreja
- Alan Dionizio (catequista leigo católico)
- 8 de dez. de 2016
- 5 min de leitura

“Passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão.” (Lc 21,33).
No mundo de hoje, parece ser fácil acreditar, pois temos várias coisas para acreditar: nos amigos, na ciência, na televisão, no shopping center. Mas será que acreditar é o mesmo de estar certo? Será que a frase “eu estou certo em quem acredito e o que creio é o certo”; pode significar o mesmo que “se não crês no que digo, estás errado”.
Alguém pode se perguntar o porquê de iniciar o texto com estes questionamentos. Simples: Todos estão certos sobre tudo e todos. Ou, talvez, eu estou certo sobre tudo e todos. Nisto consiste nosso maior erro sobre a fé que professamos! O que sabemos é nada diante da sabedoria divina! Mas aquelas frases podem dizer muito mais sobre alguns católicos: se estou sempre certo, a igreja católica está errada em muitas coisas, ou melhor, sou católico, mas não concordo com muitas coisas que a igreja católica ensina, por exemplo, sobre o aborto e outros assuntos.
E o pior é que cada vez mais o mundo se enche de cabeças duras e ocas que fingem pensar, mudar suas opiniões e visões de mundo. Certa vez, quando eu freqüentava um grupo de jovens com média de 18 anos, o líder do grupo levou-nos a debater sobre o tema aborto. De início, todos eram favoráveis e colocaram seus argumentos. Como catequista, busquei mostrar os argumentos da igreja sobre o assunto. O que ocorreu foi maravilhoso! Todos compreenderam naquele dia a posição da igreja e decidiram que o certo era ser contra o aborto. Saí satisfeito com o que achara que Deus havia feito aquelas pessoas.
Na semana seguinte, um integrante do grupo que não havia participado da reunião anterior ficou responsável por preparar a reunião. Resolveu ele, sem saber, abordar o tema do aborto novamente. O que aconteceu foi espantoso. O grupo discutiu o tema como se nunca o tivesse visto, mas o pior foi perceber que as pessoas haviam retornado a defenderem o aborto e de nada se lembravam do que a igreja ensinava.
Convém relatar mais uma historinha. Ontem assistia a um programa de Perguntas e Respostas e o apresentador convidou um casal, aparentemente de origem humilde, para participar. Curiosamente, o apresentador questionou a religião do casal. Responderam eles: - Católicos. São casados no civil e religioso?, disse o apresentador. Só no civil, responderam. Em seguida, concorrendo ao prêmio de um milhão de reais, surgiu a pergunta sobre a bíblia com algumas alternativas: Quem recebeu os Dez Mandamentos de Deus? Respostas: a) Moisés; b) Abraão; c) Salomão; d) David. O casal católico, “casado” no civil, que vez ou outra lia a bíblia respondeu Abraão.
Quero que reflitam: como podemos ser católicos se nem nos interessamos em guardar os ensinamentos da bíblia e da igreja? Como podemos criticar os ensinamentos da igreja se nem sequer os conhecemos? Como criticar a bíblia sem estudá-la e meditá-la?
Veja, por exemplo, pessoas ignorantes criticam a bíblia porque a evolução diz que o mundo não foi criado em 7 dias e que outros fatos históricos na bíblia são contados de forma errada. É bem verdade que a bíblia contêm muitos fatos históricos, mas a Bíblia nunca se propôs a ser um livro de História, nem de ciência, pois a sua verdade não consiste na razão, mas no Amor; seus acontecimentos revelam não apenas fatos históricos, mas a Comunicação de Deus e a Experiência do Povo com este Amor.
Esquece-se, ainda, que a experiência de alguém com Deus será sempre fonte e fruto de sabedoria. Por isso, a Igreja acredita que Deus se revela na história humana não só no período em que a bíblia foi sendo escrita, e sim, desde sempre. E somos fiéis guardando tais ensinamentos chamados de Tradição Apostólica ou Tradição da Igreja.
A tradição da Igreja não pode ser contrária à Bíblia, pois a Palavra de Deus revelada é uma só. Então o que faz a tradição em relação à bíblia? Primeiro, a Tradição mostra que a bíblia pode ser sempre uma mensagem de Deus atual para a Igreja. Segundo, a bíblia e a Igreja falam a Verdade sobre Deus e sobre homens, mas olham as coisas conforme os olhos de Deus. O trecho abaixo da bíblia serve de excelente comparação sobre o que estamos afirmando:
“Por isso, todo escriba instruído nas coisas do Reino dos céus é comparado a um pai de família que tira de seu tesouro coisas novas e velhas” (Cf.: Mt 13, 52).
Então, você poderia questionar: tudo está escrito na Bíblia, seja passado, presente ou futuro?
Sim. Assim, crendo no papel da Tradição, a bíblia nos recorda (mostrando o passado) e nos faz refletir, no presente, sobre os sentimentos, erros e acertos no agir humanos, revelando com isto nossa natureza humana; ainda, apresenta-nos a bíblia, os caminhos para os quais as nossas ações podem culminar com um futuro promissor ou arruinado para nós e para o mundo.
Você poderia mesmo assim questionar: O que a bíblia fala sobre clonagem humana, células tronco e outros assuntos? Se nada, como pode a Tradição da Igreja querer opinar sobre estes assuntos? E por que a Igreja se intromete nestes assuntos? Afinal, fé, ciência e moral estão em lados opostos.
Bem, é fato que a bíblia não possui em suas letras, a palavras como clonagem e células tronco. Mas isto não acrescenta nem retira a autoridade da Igreja em opinar sobre tais assuntos. Por quê? Porque a fé que professamos pede uma resposta, ou seja, a fé que professamos reivindica condutas e ações diante dos problemas do mundo. Um exemplo simples e claro: se sou de fé católica devo ser contra a pena de morte, pois existe o mandamento “não matarás”.
Desse modo, quando surgem no mundo novos problemas, colocados pela sociedade ou mesmo pela ciência, a Igreja precisa refletir até onde tal avanço pode ser considerado um progresso moral diante do olhar de Deus.
Assim compreende, acredito que sejam palavras do teólogo Marciano Vidal: “A Sagrada Escritura serve de referencial primário, de ponto de partida para o desenvolvimento moral e histórico do ser humano, por este motivo, a Bíblia é sempre um livro atual que ilumina a realidade de todos os tempos.”
Logo, a Bíblia e a Tradição da Igreja não são soluções cômodas e gratuitas para os problemas que preocupam o Mundo, pois elas apenas indicam, sinalizam e nos fornecem esperança, segurança e confiança por onde devemos caminhar. Neste caminho, caminhar é um problema ou um dever nosso.
Acreditar pressupõe uma escolha e um confiar. Estar certo significa estar firme e ciente das bases e dos fundamentos da verdade na qual se acredita. Dessa certeza se estabelece o peso que tal verdade faz em minha vida e me molda como pessoa. Por isso eu creio em Deus e em sua Igreja.
“E Jesus dizia aos judeus que nele creram: Se permanecerdes na minha palavra, sereis meus verdadeiros discípulos; conhecereis a verdade e a verdade vos libertará (Jo 8, 31s).”
Termino o texto sobre a importância da Tradição da Igreja apelando para que os católicos se voltem para estudar, meditar e refletir a Palavra de Deus e sua Tradição. Mas, ainda me preocupam as palavras de Ansem Grün: “Nós cristãos pusemos a perder uma parte de nossa identidade. Muitos cristãos já não sabem o que é essencial em sua fé (GRÜN, 2009, p.7).
St. Agostinho afirmava que só amamos aquilo que conhecemos.
Referências:
ANTONIAZZI, A.; BROSHUIS, I. PULGA, R. ABC da Bíblia. 30 ed. Minas Gerais: Centro bíblico de Belo Horizonte.
GILBERT, Pierre. Como a bíblia foi escrita: Introdução ao antigo e novo testamento. 2.ed. São Paulo: Paulinas, 2000.
GRÜN, Anselm. A fé dos cristãos. São Paulo: Vozes, 2009.
PAULO VI, Papa. Constituição dogmática Dei Verbum: sobre a revelação divina. Disponível em <http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/>. Acesso em: 03 nov. 2005.
SCHLAEPFER, C.F.; OROFINO, F.R.; MAZZAROLO, I. A bíblia: introdução historiográfica e literária. 2ed. São Paulo: Vozes, 2005.
VATICANO. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2000.
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