Virgindade Perpétua de Maria (parte 02)
- Alan Dionizio (catequista leigo católico)
- 8 de dez. de 2016
- 6 min de leitura

A tradição, a partir de Sto. Agostinho, ensina numa frase tudo que aqui tentaremos debater:
“A Virgem foi virgem antes, durante e depois do parto.”
FUNDAMENTOS BÍBLICOS E DA TRADIÇÃO SOBRE a virgindade de Maria
2. A Virgem foi virgem DEPOIS do parto
Esta dúvida se dá devido porque o nome ‘Maria’ aparece em outros relatos bíblicos e porque Maria permaneceu casada com José – óbvio – depois do nascimento de Jesus. Vamos citar três passagens bíblicas que mostram aparentes contradições com este ensinamento:
Ora, a multidão estava sentada ao redor dele; e disseram-lhe: "Tua mãe e teus irmãos estão aí fora e te procuram." (Mc 3, 32)
Jesus falava ainda à multidão, quando veio sua mãe e seus irmãos e esperavam do lado de fora a ocasião de lhe falar. (Mt 12, 46)
É preciso primeiramente compreender que o Evangelho de Marcos, em especial, deseja espalhar a Boa Nova – O Reino dos Céus é possível para nós graças a Jesus, o Cristo –, então, “Marcos” quer mostrar que em tudo que Jesus faz em sua vida é revelando esta notícia. Então, no contexto do texto de Marcos 3 e, porque não dizer, de Mateus 12, ambos os evangelistas usam um recurso de linguagem para chamar a atenção do leitor, mostrando um relato simples e em seguida introduzindo uma mensagem mais importante. Como assim?
O relato cita que a família de sangue de Jesus vem ao encontro dEle, os evangelistas, então, descortinam outra realidade, ‘Quem é a família de Jesus?’, Jesus não veio para a sua família de sangue; Ele veio para o mundo, logo, Jesus dirá adiante, na narração do Evangelho, “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem minha palavra...”. Assim, o texto nos mostra que todos podem ser Mães e irmãos de Jesus.
Mas isto não justifica o fato de que o relato fala em irmãos de Jesus e sobre isto não disse nada. É fato.
Então, tentemos novamente. Vamos entender o uso da palavra ‘irmão’ na linguagem bíblica. Segundo São Jerônimo (p.9): “Na Sagrada Escritura há quatro espécies de irmãos: pela natureza, pela raça, pelo parentesco e pelo amor.”.
Lembre-se que a Bíblia não nasceu em língua portuguesa. Ela foi traduzida. Recorde-se também que ela não foi escrita hoje, mas há muito, muito, tempo atrás. E daí? Simples, na língua original (hebraico e grego) não havia a expressão que designa ‘primo’ ou ‘prima’. Fustel de Colanges, num livro bem diferente da bíblia, chamado “A cidade antiga” mostra como eram as relações sociais na cultura antiga, no caso a grega: a cultura era patriarcal e todos vivam sob a égide do homem mais velho da família, chamado de pater família, que tinha poderes jurídicos sobre os filhos, mas enfim, todos os parentes de mesmo grau, descendentes deste Pai, podiam ser considerados ‘irmãos’. Eis uma família clânica (clã).
“Exemplos de irmãos pela natureza foram Esaú e Jacó, os doze patriarcas, André e Pedro, Tiago e João.
Irmãos de raça, eram todos os judeus que assim se chamavam um ao outro, como no Deuteronômio: "Se teu irmão, um homem hebreu, ou uma mulher hebréia, te for vendida, ele servirá por seis anos; então, no sétimo ano, deixarás que ele se vá livre".
E ainda mais: são chamados irmãos por parentesco aqueles que são de uma família, que é pátrio, que corresponde à palavra latina "paternidade", porque de uma única raiz procede uma numerosa progênie. No Gênese, lemos: "E Abraão disse a Lot: 'Que não haja luta, eu te peço, entre mim e ti, e entre meus pastores e os teus, porque somos irmãos'". E de novo: "Assim Lot escolheu para si toda a planície do Jordão, e se direcionou para leste. E eles se separaram, um irmão do outro". Certamente Lot não era irmão de Abraão, mas o filho do irmão Aram de Abraão. Porque Terah gerou Abraão, Nahor e Arão. E Arão gerou Lot. De novo, lemos: "E Abraão tinha setenta e cinco anos quando partiu de Haram. E Abraão levou Sarai sua esposa, e Lot, filho de seu irmão".” (São Jerônimo).
Logo, as traduções posteriores da Bíblia preservaram o contexto histórico-cultural de Jesus, até porque acredito que ficaria difícil determinar o grau de parentesco destes “irmãos”. Se ainda não se convenceu, veja mais três passagens bíblicas que tornam-se contraditórias sem essa compreensão da palavra “irmãos”.
Não é ele [Jesus] o carpinteiro, o filho de Maria, o irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Não vivem aqui entre nós também suas irmãs? E ficaram perplexos a seu respeito. (Mc 6, 3).
Achavam-se ali também umas mulheres, observando de longe, entre as quais Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, o Menor, e de José, e Salomé, que o tinham seguido e o haviam assistido, quando ele estava na Galiléia; [...].(Mc 15,40s).
Voltando do sepulcro, contaram tudo isso aos Onze e a todos os demais. Eram elas Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago; as outras suas amigas relataram aos apóstolos a mesma coisa.(Lc 24,9s).
Percebe-se nos versículos acima que pelo menos um dos irmãos, Tiago, não é filho de Maria, mãe de Jesus, o que implica dizer que a palavra irmão nestes versos não faz alusão à consanguinidade para com Jesus. Vou tratar de findar esta explicação nas palavras de São Jerônimo, porque se for para repetir com outras palavras, é melhor que o santo Jerônimo o diga de vez:
“Mas, para abreviar, volto à última das quatro espécies de irmãos, aqueles, esclareço, que são irmãos por afeição, e estes novamente são de duas espécies: aqueles por um relacionamento espiritual e aqueles por um relacionamento geral. Digo espiritual porque todos nós cristãos somos chamados irmãos, como no verso: "Veja como é bom e agradável para os irmãos viverem juntos na unidade". E em outro Salmo, o Salvador diz: "Eu enumerarei teu nome entre meus irmãos". E , em outro lugar: "Vá a meus irmãos e dize-lhes..."
Eu disse - por relacionamento geral - porque nós somos todos filhos de um mesmo Pai, há como um penhor de irmandade entre nós todos. "Dizei àqueles que vos odiarem:" - diz o profeta - "vós sois nossos irmãos". E o Apóstolo escrevendo aos Coríntios: "Se algum homem que é chamado irmão for um fornicador, ou avarento, ou idólatra, ou caluniador, ou beberrão, ou autor de extorsões, com alguém assim, não se deve comer".
Agora eu pergunto à que classe você considera que devem pertencer os irmãos do Senhor, no Evangelho. Eles são irmãos por natureza, você responde. Mas a Escritura não diz isso. Não os chama nem filhos de Maria, nem de José. Poderíamos dizer que eles eram irmãos pela raça? No entanto, seria absurdo supor que uns poucos judeus fossem chamados irmãos quando todos os judeus daquele tempo poderiam, a esse título, reivindicar o nome. Eram eles irmãos pela virtude de intimidade estreita e de união de coração e pensamento? Se eram assim, quais eram exatamente seus irmãos mais do que os apóstolos que receberam sua instrução privada e eram chamados por Ele Sua mãe e Seus irmãos? Novamente, se todos os homens, como visto, eram seus irmãos, seria loucura dar uma mensagem especial: "Vede, seus irmãos o procuram" porque todos os homens semelhantemente mereceriam esse nome.

Há coisa que, em sua extrema ignorância, você nunca leu e, portanto, você negligenciou toda a imensidade da Escritura e usou sua maldade para ultrajar a Virgem, como o homem da história que sendo desconhecido de todo mundo e achando que poderia tramar um mau ato pelo qual ganhasse renome, incendiou o templo de Diana; e quando ninguém revelou o ato sacrílego, diz-se que ele próprio apareceu e se proclamou como aquele que nele pusera fogo. Os administradores de Éfeso ficaram curiosos em saber o que o levara a agir de tal modo, quando então ele respondeu que se não tinha fama por boas obras, todos poderiam lhe dar crédito por uma má. A história grega relata o incidente.”.
Além disso, se Jesus tivesse tido irmãos de sangue e considerando que José, seu pai, estivesse morto, a tradição o obrigava a entregar sua mãe e viúva ao filho mais velho que existisse e não ao discípulo amado, João.
Vejamos então a parte 03, a virgindade durante o parto.
Referências:
BITTENCOURT, Dom Estevão. Dores de parto. Janeiro/1999. Disponível em: <http://www.materecclesiae.com.br/em69.htm>. Acesso em 12 de mai 2012.
COLANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MONTFORT, São Luís Maria Grinion de. Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. São Paulo: Vozes, 2008.
SÃO JERÔNIMO. Catequese: A virgindade perpétua de Maria. Disponível em: <http://www.veritatis.com.br/artigo.asp?pubid=772> Acesso em 15 de jan 2003.
VATICANO. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2000.
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